sexta-feira, 29 de setembro de 2017

o idioma


existe 
um idioma
um idioma quase
perdido

um idioma 
bonito diverso
e seus falantes são felizes

esse idioma corre perigo de extinção

é preciso protegê-lo
falando
vivendo
sendo

possibilitando ser


sexta-feira, 5 de maio de 2017

Três "lugares" do estrangeiro


NA EUROPA MEDIEVAL

"O excluído por excelência na sociedade medieval era o estrangeiro. [...] A Cristandade medieval rejeitava o intruso que não pertencia às comunidades conhecidas, vendo-o como portador do desconhecido e da inquietação. [...] O estrangeiro é aquele que não é um fiel, um súdito, aquele que não jurou obediência, aquele que, na sociedade feudal, é considerado "sem aval". [...] Os que não podia enquadrar ou prender, a sociedade medieval lançava nos caminhos". 
 (Jacques Le Goff, em A civilização do ocidente medieval)


“O estrangeiro era motivo de sonho e de ruptura”.
(Jean Duvignaud, em Sociologia do comediante)

*     *     *

NA ÁFRICA SUBSAARIANA de AMADOU HAMPÂTÉ-BÂ

“Quando um estrangeiro chega a uma cidade,
faz sua saudação dizendo:
- Sou vosso estrangeiro.

Ao que lhe respondem:
- Esta casa está aberta para ti.
Entra em paz.
Dá-nos notícias.

Ele passa, então, a relatar toda sua história,
desde quando deixou sua casa,
o que viu, o que lhe aconteceu...
E isso de tal modo
que seus ouvintes o acompanham em suas viagens
e com ele as revivem”.


(Amadou Hampâté-Bâ, em A tradição viva)

*        *        * 


NA PROFECIA DOS GUARANIS


“Quando o espaço abraçar o círculo do novo tempo,
                                              Tupã renascerá no coração do estrangeiro”

(Kaká Werá Jecupé, em Tupã Tenondé)


XÉNO PHÓBOS


A palavra XENOFOBIA está presente.
Uma palavra do tempo dos gregos antigos:

“xénos”
(estranho)
e
 “phóbos”
(medo)

 Medo do estranho, do estrangeiro, do diferente. 
O "espelho distorcido”, como diz Boal.
O espelho que mostra nossas outras faces.


terça-feira, 21 de março de 2017

Nossas (outras) histórias


20 de março, dia do Contador de Histórias. Agora há pouco, li um "TEXTÃO" do Giuliano Tierno que me motivou a adentrar um pouco esta madrugada e retomar algumas reflexões que fiz na minha pesquisa de mestrado sobre a arte e a ação de contar histórias:

Certo dia, quando trabalhei como arte-educador em uma escola municipal de Guarulhos, entrei numa sala de aula onde as crianças terminavam de copiar a lição de História. A professora havia escrito na lousa que os bandeirantes, ao entrarem nas matas, encontravam muitos perigos como “animais selvagens e índios”. Fiquei horrorizado: era essa a história que a professora estava contando; era isso o que as crianças estavam aprendendo.



Há um ditado africano muito conhecido que diz: “Até que os leões possam contar suas próprias histórias, as histórias de caça sempre irão glorificar o caçador”. É o que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie considera “o perigo de uma única história”:

É assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se tornará. É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. [...] Poder é a habilidade não só de contar a história de uma pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. [...] A única história cria estereótipos. [...] A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. [...] Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida. (Trechos de sua palestra "O perigo da única história")

Na época, comecei a pesquisar e a contar diversas narrativas, sobretudo brasileiras e de outros países latino-americanos, que trouxessem abordagens mais críticas sobre nossa História, ou melhor, sobre nossas muitas histórias. Perguntava-me (e ainda me pergunto) como poderiam/poderão ser nossas ações cotidianas se tivermos mais contato com essas histórias, ao invés daquelas que dizem que os índios eram perigosos e os bandeirantes, heróis.

Para finalizar estas reflexões, quero fazer uma homenagem a um grande contador de histórias latino-americano que, pelo viés da literatura, criou um trabalho que pode servir como fonte e inspiração para nosso ofício: o escritor uruguaio EDUARDO GALEANO!!!

Uma poeta norteamericana chamada Muriel Rukeyser disse uma frase que sempre me pareceu esplêndida: “O mundo não é feito de átomos: o mundo é feito de histórias”. Eu acredito que sim, porque são as histórias que a gente conta, que a gente escuta, recria, multiplica, que permitem transformar o passado em presente, e que também permitem transformar o que está distante em algo próximo, possível, visível.

Faz pouco tempo, um jornalista me falou: “Lendo seus livros, sinto que você tem um olho no microscópio e outro olho no telescópio”. Eu achei uma boa definição das minhas intenções, do que eu gostaria de fazer escrevendo: ser capaz de olhar o que não se olha, mas que merece ser olhado; as pequenas, as minúsculas coisas da gente anônima, da gente que os intelectuais costumam desprezar; esse micromundo onde eu acredito que se alimenta de verdade a grandeza do universo. E ao mesmo tempo ser capaz de contemplar o universo através do buraco da fechadura, ou seja, a partir das pequenas coisas; ser capaz de olhar os grandes mistérios da vida, o mistério da dor humana, mas também o mistério da persistência humana nesta mania, às vezes inexplicável, de lutar por um mundo que seja a casa de todos e não a casa de poucos e o inferno da maioria. (Trecho do programa “Sangue Latino”).