quinta-feira, 21 de março de 2013

JANGADEIROS

Convite-divulgação do lançamento

Compartilho aqui alguns momentos do lançamento do livro JANGADEIROS,
da historiadora cearense Berenice Abreu,
que aconteceu no dia 21 de março de 2013,
no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Fortaleza).
As fotos do evento foram tiradas por Hemerson Martins.

No saguão, foram expostas algumas fotos do ensaio "Mucuripe",
realizado em 1952 pelo fotógrafo Chico Albuquerque:



No auditório, Berenice fez uma fala sobre os quatro jangadeiros que, em 1941, viajaram na jangada São Pedro, desde Fortaleza até o Rio de Janeiro (capital do Brasil na época), para conversarem "ombro a ombro" com o presidente Getúlio Vargas e tentar sensibilizá-lo para as difíceis condições de vida e de trabalho de milhares de jangadeiros como eles. Acompanhada de Jorge Ferreira (seu orientador na pesquisa de doutorado que deu origem ao livro), Berenice valorizou a ação conjunta desses quatro pescadores na luta por seus direitos, questionando o silêncio da imprensa atual no que diz respeito às questões dos jangadeiros e afirmando a importância de se criar em Fortaleza um memorial dos trabalhadores do mar.


Familiares do pescador Manoel Olímpio Meira,
conhecido como Jacaré.

De volta ao saguão, comemos todos uma merenda,
enquanto Berenice autografava os livros e dialogava com o público.


Iniciamos então a apresentação musical
"O mar e os jangadeiros (en)canto"
com canções que refletem o universo do mar e dos pescadores,
entremeadas por trechos narrativos/reflexivos do livro JANGADEIROS
e depoimentos dos pescadores Jacaré e Mestre Eremilson.
A pesquisa de repertório e elaboração do roteiro foi feita por mim,
a partir da narrativa poético-musical A viagem dos pescadores,
que constituiu parte de minha pesquisa de mestrado
(ver capítulo 4 de minha dissertação, disponibilizada na íntegra neste blog).
Juntamente com Mary Pimentel, Marcíria Pimental e Socorro Barreira,
criamos arranjos vocais e percussivos para as canções
e fomos acompanhados ao violão pelo músico Eduardo Holanda.
Abaixo, algumas fotos da apresentação:

Da esquerda para a direita, Eduardo Holanda ao violão,
eu, Mary Pimental, Marcíria Pimentel e Socorro Barreira.

Com Meirinha

Marcíria e Socorrinha




Terminamos a apresentação com os versos de "O mestre-sala dos mares",
canção de João Bosco adaptada pela própria Berenice para o lançamento:


Glória a todas as lutas inglórias
que através da nossa história
não esquecemos jamais!
Salve os bravos jangadeiros
que têm por monumento
as velas abertas no mar!

Manoel Olímpio Meira,  Jerônimo André de Souza,
Raimundo Correia Lima e Manoel Pereira da Silva

Nem faz tanto tempo...

sexta-feira, 8 de março de 2013

Intervenções musicais na Beira-Mar e no Mucuripe

"O mar
quando quebra na praia
é bonito!
É bonito..."

Brisas sopram do mar
em direção ao mar
chamando para o mar...
E eu vou!

Vou até o anfiteatro que fica na Beira-Mar.
Levo meu violão e algumas canções
sobre o mar e os jangadeiros.




No calçadão, pai, mãe e filho caminham e me escutam cantar.
O pai pára e faz sinal ao filho para que pegue a máquina fotográfica.
Eu adivinho tudo isso observando seus gestos.

O filho pega a máquina e entrega ao pai.
Eu olho para eles e continuo cantando.
O pai finge que vai tirar uma foto do mar,
mas aos poucos direciona a máquina para mim,
que continuo cantando e olhando para eles.

Durante as fotos, entoo melodicamente:

Jangada, jangadeiro!
Que esse projeto de revitalização
não acabe com a vida que já existe aqui,
não acabe com o Mucuripe e seus pescadores,
não atenda atenda à lógica da elite de Fortaleza,
do Brasil.

A sessão de fotos terminou.
Eles guardam a câmera e retomam sua caminhada.
Continuo entoando:

Me escutem:
isso é pra todos nós!

Eles se voltam e me olham.
Me escutaram.
O menino faz um sinal com seu polegar.
E se vão.

A moça que vende côco no calçadão também vem espiar
do alto do anfiteatro.
Eu canto olhando e sorrindo pra ela.
Termino a canção e faço um sinal com meu polegar.
Ela sorri e volta ao seu trabalho.

Saio dali satisfeito.


*          *          *

Caminho até o Mucuripe.
Encontro um cantinho junto aos barcos e jangadas.
Sento-me sobre o tronco de um coqueiro aposentado.
Começo a tocar e a cantar:

Minha sereia, rainha do mar!
Minha sereia, rainha do mar!
O canto dela faz admirar!
O canto dela faz admirar!

Minha sereia é moça bonita!
Minha sereia é moça bonita!
Nas ondas do mar, aonde ela habita!
Nas ondas do mar, aonde ela habita!

Uma mulher anda na areia, entre um barco e outro.
Passa para um lado e me olha.
Canto bem claro a palavra "Iemanjá".
Um tempo... e ela passa de volta, olhando para mim.
Eu também olho para ela.
Ela pára na minha frente. Eu prossigo: "Iemanjá"...
Ela recebe. E se vai.

Mais um tempo...
Um senhor de cabelos brancos se aproxima, vindo do calçadão:
- Iemanjá é a rainha do mar. E São Pedro.

Desce à areia e senta-se ao meu lado no tronco do coqueiro.
Começa a cantar,
repetindo os versos que entoo
e inventando outros a partir da melodia.
Ele me lembra minha vó.
Eu não entendo todas as suas palavras,
perco muitos dos seus versos,
mas distingo bem a palavra "trabalhar".
Começo:

Minha jangada vai sair pro mar.
Vou trabalhar, meu bem querer.
Se deus quiser, quando eu voltar do mar,
um peixe bom eu vou trazer!
Meus companheiros também vão voltar
e a deus do céu vamos agradecer.

Do calçadão, uma voz jovem:
- Ê violeiro! Vamos tocar!

É um jovem que passa com seu violão.
Ele desce à areia e apertamos as mãos.
Ele se apresenta:
- Manaus.
Eu me apresento:
- Ricardo.
E pergunto:
- Você se chama Manaus?
- Não, eu sou de Manaus. Meu nome é Osaías.
E toca, com virtuosismo, o solo da canção "Brasileirinho".
Eu e o senhor ficamos admirados e o parabenizamos.
Ele diz:
- Eu toco há muitos anos. Toco guitarra. Eu sou solista. Tô chegando aqui na área. Você tá rodando o mundo?

Fico sem saber o que dizer,
eu, que gosto de me sentir caminhante.
Ele mesmo completa, falando de si:
- Tô num trecho!

Tô num trecho...

- A gente se vê...
E se vai, imagino que procurando algum lugar onde possa tocar.

Converso um pouco com o senhor.
Ele é pescador. É conhecido por todos como "Bebê".
Diz que vai dormir e que amanhã cedinho estará ali de novo.
Não sai mais pra pescar, mas vai ao Mucuripe todas as manhãs.
Apertamos as mãos:
- Até amanhã!
- Até amanhã!

sexta-feira, 1 de março de 2013

Aquele velho navio...

Era uma vez um navio
Encalhado, enferrujado na praia.

Nos dias de maré baixa,
Era um ótimo navio de brinquedo,
Lugar poético de memória, invenção.

Nos dias de maré alta
Voltava a sentir o mar em seu casco
Como que chamando:
- Volta, meu amor, volta a me navegar!
Mas ele não voltava.
O navio agora era da praia.


Hoje passei por lá.
Demorei pra perceber...
Buscava com o olhar,
Não encontrava o navio.
Pensei que estava confuso,
Que havia errado o lugar.
Mas aquele era mesmo o lugar.
Só que não era o mesmo lugar.
O navio foi retirado
E não foi o mar que levou.

Limpando a calçada, um varredor.
- Aqui não tinha um navio?
- Tinha, mas tiraram.
- E por quê?
- Levaram pra reciclar,
Era lugar de ladrão, de gay fazer sexo.

Da ponte eu olhava,
mirando a ausência.
Desci pelas pedras,
Cantei no lugar.
Dancei pro Fantasma,
Pra Lua, pro mar...
Voltei para casa.

No vento, um jornal me alcança;
Notícia de um mês como um veredito:
“REVITALIZAÇÃO”.

É essa a nova vida?



Ricardo Ribeiro
Fortaleza, 01/03/2013.