Minha trajetória



Quando eu era criança, a arte era minha principal forma de brincar e fazer magia. Eu imaginava e a imaginação ganhava corpo, som, espaço. Usava panos da minha vó para criar cabelos de personagens, vestia a enceradeira, brincava com minhas irmãs, com a solidão, com as forças invisíveis que habitavam o quintal.

Aos 13 anos, comecei a fazer teatro na escola, com meus amigos. O professor de Português pediu um trabalho em grupo e nós perguntamos se podíamos apresentá-lo em forma teatral. A resposta dele foi... SIM! Sempre penso na importância daquele SIM, de todo SIM e todo NÃO. Escrevemos, ensaiamos e apresentamos a peça. Inicialmente apenas para nossa turma; depois para a escola inteira; depois na biblioteca do bairro, em um posto de saúde, em uma unidade da antiga Febém (hoje Fundação Casa), num ato político realizado no Tuca. Em certo momento, escolhemos um nome para o nosso grupo: UTOPIA!!! Aos poucos, nasceu em nós o desejo de estudar teatro e assumir esse caminho como profissão. Prestamos juntos a Faculdade de Artes Cênicas da USP, com o sonho de sairmos da casa de nossos pais, formarmos uma república e viver de fazer teatro! Por critérios O vestibular não nos ajudou: eu fui aprovado; eles não. Acabaram seguindo outros rumos, ligados à História, Música, Filosofia, Aviação... Nosso grupo se desfez. A utopia... talvez não, porém de diferentes formas na vida de cada um.

Durante os cinco anos de faculdade, meu mundo se abriu; meus espaços e itinerários se ampliaram para além do bairro onde eu morava, do que eu conhecia de mim mesmo. Foi um período muito intenso de desabrochar! No que diz respeito ao teatro, o que mais me marcou foram as montagens curriculares e extracurriculares que participei - oportunidades de experimentar, criar com diferentes pessoas, estudar na prática essa relação tão sutil e misteriosa com o público. Duas dessas montagens foram apresentadas no exterior: o espetáculo de rua "A inconveniência de ter coragem", de Ariano Suassuna (18 apresentações em Lisboa, Portugal); e a peça "Em lugar algum", criada a partir do livro "Tempo de despertar", de Oliver Sacks (2 apresentações em Nanterre, França). Nasceu aí a vontade de ser um artista viajante e poder conhecer diferentes lugares de um ponto de vista mais interno, a partir da troca e da interação com as pessoas de cada lugar.

Foi também durante a faculdade que decidi abrir espaço para outra grande paixão: a música, o canto. Cheguei a pensar em ser cantor de ópera e por três anos estudei canto lírico com a cantora e professora Claudia Mocchi. Depois percebi que eu queria usar a voz de maneira mais livre, menos impostada, e cantar repertórios mais antenados com a vida cotidiana. Comecei a aprender violão, a compor e a tocar minhas canções preferidas.

Terminei a faculdade em 1998 e surgiram oportunidades para eu trabalhar como professor de teatro e arte-educador. Destaco o período de três anos em que trabalhei no Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP, em projetos com crianças, adolescentes e sobretudo na formação de educadores. Também trabalhei em um projeto de bibliotecas comunitárias de bairros da zona sul de São Paulo. A educação ampliou ainda mais o mundo, colocando-me em contato com realidades sociais e culturais diferentes da minha. Junto com minha amiga Roberta Scatolini (que também é atriz, psicóloga e educadora), estudamos e demos oficinas de Teatro do Oprimido. Também criamos um grupo de performances chamado "Quem é o Louco?", inspirados em um questionamento de Artaud:
E o que é um autêntico louco?
É um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceito,
em vez de trair uma determinada idéia superior de honra humana.
Pois o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir
e que é impedido de enunciar certas verdades.

Nos anos seguintes, continuei dando aulas e participei de peças de teatro com outros grupos e coletivos, com destaque para o Projeto Solos Encontrados (com minha amiga-atriz Ana Gallotti), o Núcleo Panóptico (projeto de teatro com presidiários, contemplado com a Lei de Fomento ao Teatro de SP em 2004), uma experiência teatral de um ano junto a movimentos por moradia do centro de São Paulo, e o Círculo de Cultura Quilombola (estudos e criações de cenas e performances a partir da peça "As Confrarias", de Jorge Andrade).

Paralelamente, sentia um forte chamado da música, que me levou a pesquisar, tocar e cantar repertórios brasileiros e latinoamericanos em espaços como escolas, centros culturais, feiras, saraus e grupos de alfabetização de jovens e adultos. Inspirado em artistas como Maria Bethânia e Rolando Boldrin, criei alguns shows que integravam canções, poemas e histórias. As experiências desse período - com suas descobertas e questionamentos - levaram-me de volta à universidade para fazer uma pesquisa de mestrado, realizada no Programa de Pós-graduação em Artes da UNESP com orientação da professora Berenice Raulino e apoio da FAPESP. Em 2013, a pesquisa foi publicada pela Editora Porto de Ideias, com o título "Criações cênicas e atuação com canções, poemas e histórias".


O Mestrado me ajudou a elaborar melhor o que eu já vinha fazendo e a experimentar novas possibilidades - por exemplo, atuar como contador de histórias e trabalhar com histórias de vida. Novo gás! Recomeços! 

Entre 2012 e 2014, gravei um CD artesanal chamado "Sonhos de um caminhante" e publiquei de forma independente meu segundo livro - desta vez, um livro infantil: "Histórias do quintal lá de casa", onde conto algumas aventuras reais e imaginárias que marcaram meus dias de menino. Tanto a capa do CD quanto as ilustrações do livro foram criadas por minha amiga, artista têxtil e arteterapeuta Vera Gomes (criadora do Ateliê Pano Encantado, em São Paulo).


Também em 2012 comecei a dar aulas nos cursos de pós-graduação em "Arteterapia" e "Mitologia Criativa" da UNIP, o que faço até hoje. As disciplinas que tenho trabalhado são: "Teatro, música e dança", "Expressão corporal e sonoro-musical", "A arte de ouvir e contar histórias" e "Poesia, música e narrativa". São aulas que integram referências teóricas com vivências artísticas, e que me instigam muito pela possibilidade de compartilhar experiências, materiais, metodologias e semear questionamentos, ousadias, originalidades.

Também faço parte de um núcleo de criação chamado "Os Coletores de Sonhos". Esse é um capítulo a parte que começou em 2006 e inclui amor, casa, arte, educação e itinerância. Já fomos sete vezes ao Chile participar de um encontro de teatro comunitário organizado pelo Centro Cultural e Coletivo Teatral La Mandrágora (Viña del Mar), onde também participamos de um projeto de Residência Artística. Quem quiser conhecer algumas dessas histórias, pode visitar nosso blog:

Para finalizar este texto (mas não minha trajetória), relembro a resposta que Fernanda Montenegro deu a um adolescente que pedia conselhos para quem estava começando a fazer teatro. Ela disse na lata: "Desista!". Após um silêncio constrangedor, completou: "... mas se você perceber que não pode viver sem isso, então vá em frente!".

Tentei desistir algumas vezes e é possível que eu ainda tente novamente. Mas sempre nasce alguma ideia para um show, uma performance, um curso, um roteiro, um livro... E assim vou continuando nos caminhos da arte, num exercício difícil de rever motivações, destruir ilusões, resistir à lógica do silêncio, da conveniência, da submissão. É uma escolha que torna mais plena minha vida cotidiana e me conecta com a possibilidade de intervir no mundo, somar forças a todos os que desejam sinceramente transformá-lo, torná-lo mais justo e mais bonito!

Que assim seja!

2 comentários:

  1. Muchas gracias por su trabajo y compañía. Abrazos

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  2. Nossa, Ric! Parabéns! Você alçou voo! Um voo maravilhoso e cheio de frutos para colher!
    Adorei saber!
    Saudades!...
    Grande abraço!...

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E aí?...