sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A arte é um olhar para a vida

Fim de tarde. Fui até o novo "espigão" que está sendo construído na Praia do Meireles (Fortaleza), bem em frente ao Clube Náutico. Primeiro preciso dizer que não gosto dessa obra; não gosto das barreiras ou fronteiras que o ser humano tem se dedicado a construir e que avançam cada vez mais por novos territórios. Aqui, não apenas a terra foi dividida, mas também o mar. Além disso, é mais uma obra iniciada e logo abandonada, deteriorando materiais e recursos públicos.



Mesmo não gostando, reconheço que ela cria um espaço que as pessoas têm ocupado de diversas maneiras: caminhando, contemplando, viajando... pescando, namorando, grafitando... Talvez não seja a obra em si que crie o espaço e sim, como diz uma amiga historiadora, a capacidade de apropriação e recriação das pessoas.

Eu sou uma dessas pessoas. Fui até lá com meu violão, sentei na mureta e comecei a ensaiar algumas canções que eu faria no dia seguinte em um sarau na Faculdade de Educação da UERN, em Mossoró (RN).


De repente, um homem se aproxima. Pergunta se pode tirar uma foto. Digo que sim. Ele me fotografa usando seu celular. Pergunto se ele poderia me enviar as fotos por email. Explico rapidamente que realizo intervenções poéticas e musicais em espaços públicos e que para mim é importante ter registros dessas experiências. Ele concorda, anota meu email e passa a fazer novas fotos, agora com uma máquina profissional.

Continuo meu ensaio-intervenção. Ele se afasta um pouco e fica um tempo mexendo na máquina. Então aproxima-se novamente e me mostra sua obra: a fotografia trabalhada artisticamente, evidenciando cores que, originalmente, não faziam parte daquele pôr-do-sol. Fico admirado com as novas cores. E penso em voz alta:

- Realmente, a arte não é a vida:
a arte é um olhar para a vida.


A propósito, eu cantava a "A luz de Tieta", de Caetano Veloso - canção que tem uma letra tão potente, mas que passa despercebida tantas vezes, um pouco ofuscada por seu ritmo e refrão. Fazendo com a canção o mesmo movimento de "apropriação e recriação" do espaço, eu a cantei lentamente, entoando suas palavras para mim, para o mar, para a tarde que findava e para as outras pessoas que, como eu, se ocupavam em ocupar aquele ambiente:

Todo dia é o mesmo dia, a vida é tão tacanha!
Nada novo sob o sol.
Tem que se esconder no escuro quem na luz se banha,
por debaixo do lençol.
Nessa terra a dor é grande e a ambição pequena:
carnaval e futebol...
Quem não finge, quem não mente, quem mais goza e pena
é que serve de farol.

Existe alguém em nós
- em muitos dentre nós esse alguém -
que brilha mais do que milhões de sóis
e que a escuridão conhece também.
Existe alguém aqui, fundo no fundo de você, de mim,
que grita para quem quiser ouvir quando canta assim:

Toda noite é a mesma noite, a vida é tão estreita:
nada de novo ao luar.
Todo mundo quer saber com quem você se deita. 
Nada pode prosperar... 
É domingo, é fevereiro, é 7 de setembro:
futebol e carnaval. 
Nada muda, é tudo escuro, até onde eu me lembro 
uma dor que é sempre igual.

Existe alguém em nós 
- em muitos dentre nós esse alguém - 
que brilha mais do que milhões de sóis 
e que a escuridão conhece também. 
Existe alguém aqui, fundo no fundo de você, de mim, 
que grita para quem quiser ouvir quando canta assim:

Êta, êta, êta, êta,
é a lua, é o sol,
é a luz de Tieta eta eta...

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Meu primeiro CD: "Sonhos de um caminhante"



Há muito tempo sinto fascínio pela figura dos andarilhos e caminhantes; esses personagens itinerantes, cujo modo de vida questiona fronteiras, segregações e mesmo a lógica do consumo e do acúmulo que diariamente tenta se impor a todos nós.

Desse fascínio nasceram alguns frutos: intervenções poético-musicais em espaços públicos como praças e calçadões, espetáculos teatrais, shows, narrativas cênicas, uma pesquisa de mestrado e, mais recentemente, este CD, realizado de forma independente e totalmente artesanal, desde a escolha do repertório, a gravação e mixagem em um estúdio de bairro, a impressão e reprodução da mídia, a criação e montagem de cada uma das capinhas.

O repertório começa com três cantigas de domínio público, dessas que vão passando de boca em boca, possíveis de serem encontradas nas estradas e vilarejos da vida, e que permeiam muitas de nossas memórias, imaginários - e também nossos esquecimentos. Desse grupo, destaco "O amor da costureira", cantiga portuguesa que minha vó Deolinda Ribeiro me ensinou e que tive a sorte de poder registrar com ela.

Por falar em vilarejo, trago aqui uma versão da bonita canção de Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Pedro Baby; uma miragem-utopia de um lugar (ainda que provisório) de chegada, aconchego.

Mas nem só de sonhos vive um caminhante... As três canções que se seguem formam um bloco que nomeei "Contradições dos sonhos". São composições minhas, que trazem um tom lúdico, infantil, e ao mesmo tempo crítico, simbólico. Uma dessas canções, "Passarinho livre!", dá nome a este blog.

Por fim, uma colagem incluindo duas canções chilenas - "Caminando, caminando", de Victor Jara, e "Todos juntos", do grupo Los Jaivas - unindo-se a trechos de "Fazer o quê?", de Pedro Luís, e "Carpinteiro do universo", de Raul Seixas e Marcelo Nova, aqui trazidas como reflexões e proposições para novas caminhadas.

Aproveito para agradecer à Vera Gomes - Ateliê Pano Encantado (SP) - pelas belíssimas imagens que criou por meio de bordados e aplicações de tecidos.

Em breve, compartilharei algumas faixas do CD.
Quem se interessar em adquirir, é só entrar em contato comigo pelo email
ri_arte@yahoo.com.br



segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pinturas em muros da Praia de Iracema

Caminhando com amigos pela Praia de Iracema,
encontrei essas belezas efêmeras,
pintadas em muros próximo ao Estoril.









Fotos: Ricardo Ribeiro
Praia de Iracema / Fortaleza (CE)
01/12/2013

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O chinelo continua a dançar...

Terça-feira à tarde.
Tempo livre.
Cinema.

O filme foi Francis Ha, muito especial!!!

Saímos encantados, andando soltos...
Fim de tarde muito clara,
mas com o fiozinho da Lua crescente já se mostrando.

Sentamos em um palco de madeira que fica na praça.
Olhamos a Lua, uma estrelinha, o céu azul-claro, amplidão.
Deitamos no palco.

Coloquei minhas mãos em posição de receber a Lua.
Alimento.
Ficamos um tempo ali....


tempo, tempo, tempo, tempo

Quando eu era criança,
eu e minhas irmãs brincávamos muito.
Claro que na hora de comer a brincadeira continuava.
Por que ela teria que parar, né?
Pois é, mas nossa mãe ficava com raiva.
Queria que a gente parasse.
E ameaçava: - O chinelo vai dançar!
Isso devia nos meter medo,
mas o fato é que a gente começava a brincar
de chinelo dançando...


- Vocês podem sentar direito aqui? É que não pode ficar deitado no palco.

Era o segurança da praça.
Ele veio dizer que a gente não podia ficar deitado no palco.
Eu levantei, ainda com a Lua nas mãos.

- Não pode tomar Lua?
Ele riu.
- Pode... É que o pessoal da administração é meio...
- Meio chato? (autoritário, privatista...)
- É... e se a gente deixa vocês ficarem deitados, depois vão dizer que o segurança não olha...
- Tá...
- Desculpa aí... Valeu.

Ficamos sentados.
Sentados podia. Deitados não.
Espaço público...

Mas continuamos ali a tomar Lua e estrela.
Ali, céu aberto, fim de tarde clara com brisa.


O chinelo continua a dançar.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O andarilho caçador de raízes...

Um dia, o menino decidiu que queria ser andarilho. 
Ele não tinha muita noção do que era ser um andarilho, 
mas gostava muito da ideia. e começou a inventar essa vida...


No primeiro dia de estrada, 
vestiu sua roupa de poeta, um pouco esfarrapada: 
a camisa verde, com flores e versos, 
e a calça larga, tingida,
com uma rosa dos ventos apontando horizontes. 

Encontrou alguns moradores de rua.
Chegando perto deles, anunciou em tom circense:

- Eu sou um andarilho!

Um dos homens falou:

- Andarilho é esse aqui que já foi pra tal e mais tal lugar...

E voltaram a conversar entre si sobre suas andanças.

O menino ficou um pouco decepcionado.
Mas não desistiu de seu plano.

*          *          *

 No começo, era um viajante solitário.
e inventou pra si mesmo um nome: 
O LOBO DAS ESTRADAS ENLUARADAS...
- assim mesmo, cheio das reticências...
Era um cantor acompanhado de seu violão, suas utopias e paixões... 
Gostava da estrada e da beira da estrada.
Passava muitas noites olhando a Lua e as estrelas, 
uivando e chamando um possível amor para um íntimo sarau...



Num desses caminhos, conheceu uma Santa. 
Na verdade, uma mulher. 
Que um dia se tornou santa. 
E recordava seus dias de mulher. 
SANTA MARIA EGICPCÍACA.



Santa Maria Egipcíaca seguia
Em peregrinação à terra do Senhor.

Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir.

Santa Maria Egipciaca chegou
À beira de um grande rio.
Era tão longe a outra margem!
E estava junto à ribanceira,
Num barco,
Um homem de olhar duro.

Santa Maria Egipciaca rogou:
- Leva-me ao outro lado.
Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.

O homem duro fitou-a sem dó.

Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir.

- Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.
Leva-me ao outro lado.
O homem duro escarneceu: - Não tens dinheiro,
Mulher, mas tens teu corpo. Dá-me teu corpo
[e vou levar-te.

E fêz um gesto. E a santa sorriu,
Na graça divina, ao gesto que ele fez.

Santa Maria Egipcíaca despiu
O manto, e entregou ao barqueiro
a santidade da sua nudez.

(Balada de Santa Maria Egipcíaca,
de Manuel Bandeira)







O menino encontrou também um velho,
bem no meio do caminho.
UM VELHO CORCUNDA CHAMADO PEDRA.


Usava um manto cor de terra,
uma máscara nariguda
e mesma boina antiga que o menino gostava de usar.

Sua voz era como um rangido: seca, arranhada, enferrujada.
Mas ele cantava. E fazia graças.
Só que ninguém achava graça.
E ele foi ficando azedo.

Tinha sempre uma caixa nas mãos;
uma pequena caixa de madeira,
que ele entreabria e espiava dentro.
Ali morava um segredo, seu grande segredo.
Ele perguntava às pessoas se queriam conhecer seu segredo.
E quase contava.
Mas então se lembrava de exigir algo em troca.
Seu segredo era muito importante pra ser dado assim, de graça.

Ele nunca mostrou seu segredo.
E ficou ainda mais azedo. 



O VELHO era um alerta, seu pesadelo-conselheiro.

*          *          *

O menino também se encontrou nesses caminhos,
personagem de si mesmo. 
E gostava de uma imagem que sempre levava consigo: 
um homem no campo, cortando, com um machado, uma raiz. 
O Andarilho tentava cortar suas raízes.

O Lenhador (Van Gogh)

Passaram-se anos...

*          *          *

Um dia, o menino, já mais rapaz, 
cismou com um tal de “caçador de raízes” 
que encontrou num poema de Neruda:

Al bosque mío entro con raíces,
con  mi fecundidad.

- De donde vienes?
(me pregunta uma hoja,
verde y ancha como un mapa).

Yo no respondo.

- Vengo a buscar raíces.
Esa raiz debe nutrir mi sangre.

A partir desse dia, sentiu nascer em si esse caçador,
um caminhante que percorria estradas, vilas, cidades e florestas 
em busca de histórias que pudessem curar um mundo doente. 
Era um homem de utopias e grandes contradições. 
Chegava e partia cantando, não se sabe de onde nem para onde. 
Às vezes dançava com instrumentos nas mãos, 
limpando os olhares de quem encontrava 
e de si mesmo, quando se perdia.


Gostava de conversar com as pessoas. 
Tomava banho pelado nas fontes e nos rios. 
Entrava em bosques de árvores e pensamentos. 
Fazia fogueiras, fogatas, cantava e tocava até quase o dia raiar. 
Às vezes, raiando o dia. 
Dormia. Sonhava. Esquecia. 
Acordava, saudava, alongava. 
E retomava sua caminhada.

Era ainda um pouco solitário, 
um pouco preso em sua própria redoma. 
Mas um dia encontrou Amor. 
Foi o acaso, uma brincadeira, uma frase carente, ousada, sem medo... 
captada no ar por uma madrinha-casamenteira... 
e levada até o outro ser, também solitário, 
mas disposto a arranjar companhia nem que fosse em agência. 
Encontraram-se. 
Acenderam velas. 
Fizeram sexo. 

Um dia, conversaram sobre sonhos:

- Meu sonho é passar algum tempo em uma cidade pequena, 
envolvido em algum projeto de educação.

O outro se empolgou:

- Pra mim isso é um projeto de vida.

Combinaram que fariam algumas viagens, 
sempre que tivessem tempo e dinheiro. 
E que sentiriam quanto tivessem encontrado o lugar.

Primeiro encontraram a cidade. 
Era pequena e bonita. 
Tinha rio e tinha mar. 
E por lei não era permitida a construção de edifícios. 
Uma cidade possível para horizontes.

Depois encontraram a casa: 
branca, no meio da mata e das montanhas, 
com pássaros e com aranhas 
– o que não constava nos planos originais, 
mas acabou gerando uma canção até que original... 
Ali viveram dois anos. 
Fizeram horta, comidas coletivas, 
namoraram estrelas à luz das estrelas, 
fizeram e viveram amor. 
Também descobriram que o paraíso pode ser bem angustiante de vez em quando...

Voltaram para a cidade grande. 
E de novo para uma cidade pequena. 
Mas era uma cidade que queria ser grande. 
Seu lema era: “A METRÓPOLE DO FUTURO”. 
Nessa cidade a lei protegia os edifícios altos 
e condenava as casas antigas, 
que iam sumindo das ruas e das memórias. 
Essa cidade assustou o menino-andarilho, 
que sentiu falta de liberdade e de ser feliz.

Mudaram-se novamente. 
Por amor. Com amor. 
Deram a volta de um ciclo e encontraram novo lugar. 
Na verdade, novos lugares: 
um lugar pra cada um e uma ponte a ligar. 
Continuam a sonhar.




*          *          *

Um dia, o antigo andarilho sentiu falta de suas raízes. 
E decidiu retomá-las. 
Voltou ao lugar de antigas fotografias. 
Escreveu memórias que não sabia que ainda guardava. 
E anotou aqui esses registros: 
o prólogo de um livro que continua a ser escrito...




*          *          *

Este texto, ainda em processo, é fruto de uma série de vivências pessoais e artísticas que resultaram em intervenções poético-musicais e nas criações cênicas O Andarilho (orientada por Ana Gallotti) e O caçador de raízes (dirigida por Márcio Costa), apresentadas entre 2001 e 2010 em São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Chile.

Fotos das intervenções: Ana Gallotti.
Bordados: Vera Gomes.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Colagens

Atividade de colagem
proposta por Márcio Costa e realizada aqui em casa,
durante a residência amiga-artística que inventamos
com os amigos Anderson Feliciano e Mário Rosa
entre os dias 1 e 5 de maio de 2013.

"Ainda é possível bafo no mundo de Laerte",
de Anderson Feliciano.

"Eu me transformo em outr@s",
deste que vos escreve.

"Sem título",
de Mário Rosa.

"Sem título",
de Márcio Costa.