terça-feira, 30 de abril de 2013

O teatro invadindo a cidade - e vice-versa...

Compartilho aqui alguns trechos do livro
O TEATRO INVADINDO A CIDADE, de Marcelo Sousa Brito,
em que ele reflete-sonha questões relacionadas à arte em espaços públicos:



"Por que o espaço público é visto apenas como um lugar de passagem? Por que os moradores não se apropriam desses lugares, não ocupam as praças e jardins? Não fazem circular ali seus ideais, angústias, prazeres e sonhos?

A cidade precisa re-conhecer sua história e ela esta ali, embrenhada em cada rua, em cada praça, em cada canto escondido. Está no olhar, nas marcas do rosto, na poeira que cobre os muros, nos muros e portas, nas passagens, nos caminhos que nos levam para o interior profundo que podemos sentir quando estamos livres e abertos para o desconhecido.

Como se os personagens mudassem seus destinos e características. Como se a mocinha recatada saísse de casa com outro ar ou como se a dona de casa, em vez de ir para a feira, fosse para a praça da prefeitura, a fim de saber através dos jovens o que acontece por ali e, assim, trocarem experiências, vivências. Os maridos, no dia de feira, deveriam sair às compras, enquanto as esposas se encontrariam com as amigas para conversar e se divertir, à tarde, na praça da igreja, tomando uma cervejinha ou um guaraná, sem as preocupações habituais do dia a dia. Os jovens deveriam se aplicar mais, serem mais atuantes e se reunirem em grupos de músicos, de atores, poetas e dialogarem com esses lugares. Fazer um recital depois da missa, marcar um dia surpresa para um show de voz e violão na praça da prefeitura, um espetáculo de cordel na feira ou um show de repentistas.

Várias mudanças aconteceriam no momento em que os habitantes entendessem essa dinâmica; assim, o cotidiano da cidade poderia ser alterado. O morador mudaria suas nuances e passaria a se comportar como um rico personagem dos romances. A partir daí, surpreenderia a si próprio, enriquecendo sua personalidade e a relação com o outro, colaborando para a transformação desta cidade, aparentemente desinteressante, em um lugar no qual tempo e espaço possam estar plenos de mistérios, surpresas e encantamentos".


terça-feira, 2 de abril de 2013

Se eu fosse um livro...

Se você pudesse ser um livro, que livro seria?
Ou melhor, que tipo de livro você seria?
Que leitores gostaria de ter?
E o que você despertaria neles?


Em cena,
uma mulher experimenta algumas possibilidades de “ser-livro”:
livro infantil - Emília, do Sítio do Pica-Pau Amarelo!
livro de memórias, autobiografia,
livro de cartas entre amigos,
crônicas...

facetas humanas
gêneros literários
dança de salão
cordel
canção

*          *          *

No ano passado, durante uma apresentação poético-musical que fiz na X Bienal do Livro do Ceará (ver postagem do dia 11/11/2012), eu estava cantando "Passarinho livre!" quando fui surpreendido por um casal de dançarinos que, tão livres como o passarinho da canção, soltaram o corpo e a dança, criando um momento muito bonito que ampliou imensamente os sentidos da canção. Esses dançarinos eram Maria Mariah e Ednardo Mendes. Nesse mesmo dia, pude assistir a apresentação que fizeram, integrando poesia e dança de salão.


Em fevereiro deste ano, Mariah me convidou para integrar esse trabalho em uma apresentação no Projeto Terça EnCena do SESC-Fortaleza, no dia 2 de abril de 2013 - Dia Internacional do Livro Infantil. Minha participação consistiu em retrabalhar a dramaturgia, dirigir sua atuação cênica (principalmente no trabalho com os textos poéticos) e interpretar poemas e canções.

Ensaiamos durante um mês e meio. Desse período, destaco com carinho especial um ensaio muito divertido em que mergulhamos nas entrelinhas dos textos, além de dois ensaios que fizemos em espaços abertos - o anfiteatro da Beira-Mar e o espaço em frente ao Planetário do Dragão do Mar - em que pudemos experimentar possibilidades de interação com o público e de intervenção poética em espaços públicos da cidade.

Seguem abaixo alguns momentos da apresentação que fizemos no SESC.

Cena inicial: texto "LIVRO", de Lygia Bojunga.

"Pra mim, livro é vida. Desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro. De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras. Fui crescendo e derrubei telhados com a cabeça. Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação. Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu... era só escolher e pronto, o livro me dava. Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria vida: quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava. Mas... como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar".

(LIVRO - Lygia Bojunga)

Mariah como Emília, do Sítio do pica-pau amarelo,
e eu como seu entrevistador.

Ao ser entrevistada, Emília contou um pouco de suas memórias e definiu a VIDA:

"A vida é um pisca-pisca.
A gente nasce, isto é, começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.
É portanto um pisca-pisca. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos;
por fim, pisca pela última vez e morre.
E depois que morre... vira HIPÓTESE!"

(Memórias da Marquesa de Rabicó - Monteiro Lobato)

Em outra cena, enquanto eu interpretava "Assum Preto",
de Luiz Gonzaga e Humberto  Teixeira,
Mariah trazia lembranças do sertão
e experimentava ser um livro de cartas entre amigos.

A apresentação foi permeada por três momentos de dança,
em que entrava em cena o dançarino Ednardo Mendes:


Pessoalmente, a experiência possibilitou exercitar mais uma vez a integração entre poesia, música e artes cênicas - incluindo aqui a dança.

O ato de dirigir colocou-me diante da responsabilidade de trabalhar sobre o corpo e a sensibilidade do outro, respeitando seus processos, ao mesmo tempo que propondo o desafio da desacomodação, da busca de romper com os próprios clichês e fortalecer uma expressão artística mais límpida, verdadeira.

Nesse sentido, foi também um exercício de espelhamento, de ver refletidas (ou projetadas) no outro, questões que também são minhas, como pessoa e como artista.

VALEU, MUITO!!!
GRÁCIAS MARIAH!